domingo, 11 de janeiro de 2015

Ferreira Gullar: "Os fins justificam os meios"

Ferreira Gullar... brilhante e maravilhoso como sempre!
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Lula e Dilma sabem perfeitamente que este governo petista que agora se inicia pode ser a cartada final que decidirá a continuação ou o final de sua hegemonia política. Ao afirmá-lo, não digo mais que o óbvio, uma vez que a própria Dilma, por certas decisões que tomou ao constituir seu novo ministério, deixou clara a situação crítica que terá de enfrentar.

A nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda é a confissão de que a política econômica que impôs ao país fracassou e, por isso, terá que adotar a de seus adversários teóricos. Claro que ela jamais admitirá isso, conforme se viu, ao tomar posse, quando, mais uma vez, falou de um Brasil que só existe em seus discursos.

Mas, agora, na prática vai ter que fazer o contrário do que disse durante a campanha eleitoral, quando acusava Aécio de pretender fazê-lo e, com isso, acabar com os programas sociais.

Esse descompromisso com a verdade é, aliás, uma característica do PT. Não se viu, para espanto geral, o ministro Fulano afirmar “não somos ladrões”, referindo-se às acusações que pesam sobre o seu partido? É como se o mensalão não houvesse existido e o STF não tivesse condenado, por corrupção, algumas das mais destacadas figuras do PT.

Quem usa dinheiro público para comprar deputados é o quê? Certamente, não se pode estender essa acusação a todos os membros do partido, mas tampouco isentar de culpa os que agiram errado.

Sucede que esse descompromisso com a verdade é tal que —lembram?— quando Dirceu e Genoino apareceram em público, a caminho da prisão, ergueram o punho como heróis injustiçados, e a própria direção do PT os considerou “prisioneiros políticos”!

É que os dirigentes petistas, quando falam, não estão se dirigindo ao povo em geral, mas exclusivamente a seus seguidores.

Dilma sabe muito bem que as medidas que está tomando, neste segundo mandato, contrariam tudo o que ela disse durante a campanha eleitoral, mas sabe também que os petistas acreditarão em qualquer coisa que diga, simplesmente porque a verdade não vale se for contra o petismo; o que vale é a versão que denigre o adversário.

Noutras palavras, os fins justificam os meios. Confesso que, ao ouvir o seu discurso de posse, me perguntava como podia ela dizer o que estava dizendo, se sabia muito bem que, há poucos meses, dissera o contrário.

Uma das afirmações que mais me espantaram foi quando disse, a propósito do escândalo da Petrobras, que o seu governo era o primeiro a combater a corrupção no Brasil e isso graças a ela, que permitiu à Polícia Federal investigar as falcatruas naquela empresa.

Todo mundo sabe que a Polícia Federal é um órgão do Estado e não do governo, de modo que, por isso mesmo, não precisa de autorização da Presidência da República para cumprir sua função.

Mas Dilma insiste nisso, porque o escândalo da Petrobras atinge diretamente seu partido e o governo petista que, durante doze anos, fez vista grossa às trapaças de que participaram seus correligionários e seus aliados.

Como o escândalo se ampliou e ameaça ampliar-se ainda mais, Dilma passou a colocar-se como a verdadeira defensora da Petrobras, que estaria sendo ameaçada por predadores internos e inimigos externos, ou seja, a oposição.

Não dá para crer: segundo ela, quem ameaça a Petrobras não é o governo petista, que permitiu as falcatruas e participou dela, mas, sim, os que denunciam a corrupção e pedem a punição dos culpados. É evidente que nenhuma pessoa normal e isenta acredita nisso, o que torna ainda mais surpreendente a desfaçatez com que ela faz tais afirmações.

Foi assim que, ao ouvi-la no discurso de posse, ocorreu-me uma explicação talvez pertinente, ou pelo menos plausível, para que afirme tantas inverdades.

A explicação seria esta: ela, como seu partido, é a defensora do povo pobre, explorado pelos ricos. 

Logo, quem a ela se opõe é inimigo do povo pobre e, portanto, para derrotá-lo, tudo é válido, como mentir, valer-se do dinheiro público e das propinas pagas pelas empreiteiras.

Só pode ser isso, já que não consigo acreditar que alguém, falando à nação, afirme o contrário de tudo o que disse há poucos meses atrás.

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sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Álvaro de Moya comenta "Noites Tropicais"

Álvaro de Moya
Meus caros,
quando "Noites Tropicais", de Nelson Motta, foi lançado, em 2000, a Folha de S. Paulo pediu opiniões sobre o livro ao jornalista e diretor televisivo Álvaro de Moya, e à escritora e psicanalista Betty Milan. Betty gostou e escreveu um texto elogiando o trabalho de Motta. Álvaro não gostou. Abespinhou-se, sobretudo, com uma frase: "Nos anos 60, (...) não estava acontecendo nada de importante musicalmente em São Paulo, Bahia ou Porto Alegre". A baboseira se tornou ponto de partida para uma crítica que além de absolutamente correta - a frase de Motta de fato é cretina e preconceituosa - traça painel precioso de nossa cultura naquela época, no testemunho de uma das mais importantes e abalizadas figuras de nosso entretenimento.

Vamos ao artigo do grande Álvaro de Moya:
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Nelson Motta não vai além de Ipanema
Álvaro de Moya
especial para a Folha


Esse cara não enxerga um palmo além do nariz de Ipanema. Dizer que, "nos anos 60, (...) não estava acontecendo nada de importante musicalmente em São Paulo, Bahia ou Porto Alegre" é o cúmulo da ignorância de habitante de Nova York.

Quando fui convidado - como diretor da TV Excelsior - para ir à TV Gaúcha, que passava a integrar a pioneira rede nacional de televisão, comandada pela Excelsior, de São Paulo, vi uma encenação, tipo Casa Teatral, com roupas de cetim coloridas e amarfanhadas de "O Manto Sagrado".


Montagem de circo era chique perto daquela. Num cantinho, uma pequena figurante cansada, sentada no chão era uma miudinha que, ao apresentar-se no primeiro festival da MPB, produzido por Roberto Palmari, cenários de Cyro del Nero e patrocinado pela Rhodia, virou Elis Regina, vencedora ao lado de Edu Lobo. Marcos Lázaro alugou uma quitinete para ela na av. Rio Branco, e ela consagrou-se em São Paulo e em todo o país.


Solano Ribeiro
Quanto à Bahia, os Festivais da Record, de Solano Ribeiro, revelaram Caetano Veloso e Gilberto Gil, que vieram morar, não na esquina da Ipiranga com a São João, mas na av. São Luís, onde agitavam. Solano Ribeiro apresentou também Tim Maia. A consagração veio em Nova York, quando Walter Silva, Manoel Barenboim e outros levaram a bossa nova para os EUA e conquistaram o mundo, por meio de João Gilberto, Tom, Vinicius etc.

A tropicália nasceu em Sampa, com apoio de Rogério Duprat, Júlio Medaglia e o produtor de discos da Philips, Manoel Barenboim, que gravou toda a música dos anos 60 em São Paulo, jamais um disco sequer no Rio, pois, dizia, lá não havia profissionais.


Chico Buarque era estudante na Maria Antonia e dava canja no Bar Sem Nome.

Carlito Maia
A Jovem Guarda, invenção de Carlito Maia e João Carlos Magaldi para a Shell, lançou, no teatro Record, quando na Consolação, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderlea, Renato e os Blue Caps, Jerry Adriani e toda aquela geração. Era a juventude da rua Augusta na TV. Onde reinava também o nariz de Juca Chaves.

Moracy do Val, que produziu o filme de Sérgio Reis "O Menino da Porteira", cuidou do show de inauguração dos Secos e Molhados, começando no Bexiga, reduto de Adoniran Barbosa e Os Demônios da Garoa.


Walter Arruda, em 1959, fazia um programa na TV Tupi às terças-feiras com João Gilberto e seu banquinho. A TV Paulista, canal 5, tinha O Bom Tom, onde Tom Jobim confessou que ganhou seus primeiros dinheiros e declarou que comprou sua casa graças a eles. Johnny Alf tocou piano em boates em São Paulo, como um dos precursores da bossa nova.

Abelardo Figueiredo
Abelardo Figueiredo e seus musicais, na TV e nos becos da vida, sempre revelou cantores e músicas. O João Sebastião Bar, de Paulo Cotrim, frequentado por Jorge Mautner, com seus primeiros torpedos, abrigava cantoras e cantores.

Enquanto Lúcio Rangel, Tinhorão e Sérgio Cabral, no Rio, ironizavam a bossa nova, acusando-a de ser uma imitação do jazz, Walter Silva, na Rede Bandeirantes de Rádio, no seu programa "O Picape do Picapau" apoiava a bossa nova e recebia telefonemas de pedidos de músicas de todo os cantos do Brasil. Até ser demitido no dia da posse de Ernesto Geisel, em pleno ar: "Empregão para um maior de 45 anos...".


A TV Bandeirantes, em 1967, 13 de maio, no dia de sua inauguração, iniciou um programa jovem, dirigido por Italo Morelli, que era estrelado pelos Mutantes, Rita Lee, Sérgio Reis, e outros iniciantes.


Cyro del Nero
No início dos anos 70, Cyro del Nero trouxe a perigo o exilado Caetano Veloso da Inglaterra para gravar um programa histórico na TV Tupi, com João Gilberto e Gal Costa. Um jogava pingue-pongue, outro bebia Coca-Cola gelada e comia sopa de caldo verde quente enroscando em seus longos cabelos.

Na TV Excelsior, Manoel Carlos produzindo, e Bibi Ferreira apresentando o programa dominical noturno "Brasil 60", criaram um elo entre a música popular brasileira e a bossa nova, o cinema de "O Pagador de Promessas" e Mazzaropi, o Teatro de Arena, a literatura, a dramaturgia de Jorge Andrade, o comedor de giletes Ari Toledo e a música de Caetano Zama, Pelé e Garrincha, a Copa de 62, tudo no auditório da Nestor Pestana.


Manoel Carlos
Manoel Carlos, criativamente, juntava Juca Chaves com Lamartine Babo, João Gilberto com Orlando Silva, Dorival Caymmi com Jorge Amado, Grande Otelo e Oscarito, As Pastorinhas cantavam em coro por Aurora Miranda, Silvio Caldas, Linda e Dircinha Batista, Carlos Galhardo e grandes momentos da MPB. Eram plagiados no Rio. Os produtores do balneário Maurício Sherman, Walter Clark, Moyses Weltman, Ronald Bôscoli e tantos outros ficavam nas escadas do auditório contratando esses artistas para repetirem o número nas TVs cariocas, semana seguinte.

O "Brasil 60" dos domingos foi plagiado pelo "Fantástico". Numa reunião na TV Globo, Boni revelou, diante do produtor Manoel Carlos, do cenógrafo Cyro del Nero, que queria fazer um "Brasil 60" sem Bibi. Walter George Durst, ao ser pedido para bolar um título bombástico, citou o programa de rádio de Almirante, "Incrível, Fantástico, Extraordinário". Boni: isso, "Fantástico, o Show da Vida". E o principal. O ponto negligenciado, inclusive pelos irmãos Campos, é que o "Brasil 60" mudou o público da MPB.


Walter George Durst
Ele tinha acompanhamento musical; de Chu (depois Luis Chaves), Rubinho e Pedrinho Mattar (depois Amilson Godoy), o futuro Zimbo Trio, descoberto por Agostinho dos Santos. Apresentavam-se com o pianista Paul Urbach, no Mackenzie, tocando jazz.

Os alunos da Maria Antonia pediram para o baterista Rubinho convidar o Manoel Carlos, às segundas, trazer a nata da bossa nova para seus shows internos no campus. E substituíram o jazz pela música brasileira. A base de apoio estudantil e dos jovens para a bossa nova e tudo o mais que veio nos anos de ouro de São Paulo. 
Como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Hermeto Paschoal, vanguarda dos anos 80, último acontecimento musical importante, até hoje, por aqui.

A geração anterior, enquanto foi criativa, ficou por São Paulo, quando entrou em decadência, foi embora. Depois, a maioria dos remanescentes desses artistas mercenários foram para o Rio e para a Globo, e a MPB virou isso que está aí. MPB virou Música Para Bunda. "O Rio de Janeiro é o túmulo da Música Popular Brasileira". Assinado: maestro Júlio Medaglia.
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