Para jurista, tentar salvar Lula é mais grave que
as 'pedaladas fiscais'
RODRIGO RUSSO
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
18/03/2016 02h00
Para um dos principais advogados do
país, não há dúvida: a presidente Dilma Rousseff (PT) cometeu crime de
obstrução da Justiça, dando à Câmara motivos mais que suficientes para abrir um
processo de impeachment.
Coordenador
do "Livro Negro da Corrupção" (ed. Paz e Terra) e autor do recente
"Considerações sobre a Lei Anticorrupção" (ed. Revista dos
Tribunais), doutor e livre-docente em direito pela USP, o jurista Modesto
Carvalhosa, 83, afirma que o termo de posse acertado entre a presidente Dilma
Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva é a prova material indiscutível de um
crime que vinha sendo praticado desde a nomeação do ex-presidente para o cargo.
Carvalhosa,
ex-presidente do Tribunal de Ética da OAB-SP, nunca teve filiação partidária, e
lutou contra a ditadura quando presidiu a associação de docentes da USP,
durante os anos 1970.
O advogado falou à Folha na tarde
desta quinta-feira (17), após a suspensão da posse de Lula. Leia abaixo os
principais trechos da entrevista, feita por telefone.
O advogado Modesto Carvalhosa, ex-presidente do Tribunal de Ética da OAB-São Paulo Bruno Poletti - 30.nov.2015/Folhapress |
Folha
- Como o senhor avalia os grampos telefônicos e
a suspensão do sigilo dessas ligações pelo juiz Sergio Moro?
Modesto
Carvalhosa - As pessoas estão desviando o foco do assunto. As
gravações são evidentemente legais, e o juiz estava autorizado a suspender o
sigilo. Isso é inquestionável. Não podemos fugir do principal, que é da mais
profunda relevância: o crime de obstrução praticado pela presidente. O juiz
Sergio Moro tinha o dever de tomar uma providência.
O
juiz podia, então, retirar o sigilo de uma conversa entre a presidente e Lula?
Não era uma questão
de poder. Era uma obrigação irrecusável, um dever funcional absoluto de
fazê-lo. Se não o fizesse, era inclusive caso de prevaricação. A Constituição
prevê que qualquer cidadão tem a obrigação de prender quem for encontrado em
flagrante delito. Imagine, então, um juiz diante dessa situação, tentando
interromper um crime.
Qual
o enquadramento do crime da presidente?
Dilma infringiu o
artigo 85 da Constituição Federal [que trata dos crimes de responsabilidade] e
violou os artigos 6º e 9º da Lei do Impeachment [crimes contra o livre
exercício dos Poderes constitucionais e contra a probidade na administração]. Foi uma manobra para
tirar o processo de Lula da primeira instância, um crime que começa com a
nomeação, passa pelo termo de posse –como se fosse um salvo-conduto para o
político– e chega à posse de fato.
O
senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) foi preso preventivamente por suspeita de
obstrução da Justiça. São casos similares?
O crime cometido por
Dilma Rousseff é de outro patamar. No caso de Delcídio, houve tentativa de
obstrução, que não havia se materializado. Aqui, temos um crime material, um
delito que está comprovado no documento que produziram para empossar Lula.
Se
Lula tivesse no cargo de ministro de Estado, o processo seria remetido ao
Supremo Tribunal Federal. Com a suspensão de sua posse determinada pela
Justiça, como fica a situação do processo?
No momento em que
Lula tem suspensa sua condição de ministro, parece-me claro que Sergio Moro
volta a ter jurisdição plena do inquérito que investiga o ex-presidente. Há a complicação da
remessa dos autos, que já havia sido determinada para o Supremo Tribunal
Federal e precisa ser alterada novamente, mas Lula é um cidadão comum investido
de cargo público por um ato administrativo que teve efeitos suspensos, não
importando que tenha sido determinado pela mais alta instância do Executivo.
Nesse
cenário, como fica a questão do processo de impeachment de Dilma Rousseff na
Câmara Federal?
Os deputados têm
agora um grande argumento para dar início a esse processo. Não é sequer preciso
um novo pedido, basta fazer um aditamento ao já existente, e é possível fazer
isso na hora, sem necessidade de prova. É o chamado aditamento por fato
notório.
Há, repito, crime de
obstrução da Justiça cometido pela presidente da República em coautoria com
Luiz Inácio Lula da Silva, não se trata de uma tentativa.
Isso é muito grave,
mais do que as chamadas pedaladas fiscais que anteriormente motivavam o pedido
de impeachment.
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