Gente que dividia comigo a mesma ideologia hoje se comporta como
inimiga. Um muro foi erguido para me separar desses amigos
Artur Xexéo |
Ando sensível. Acho que já contei
isso aqui. Choro à toa. Antes era com comercial de margarina, cenas de novela,
trechos do filme. Agora, é lendo jornal. Cada notícia da Lava-Jato, de início,
me enche de indignação. Em seguida, fico triste. É aí que choro. Ando tendo
vontade de chorar também em discussões com amigos. Gente que tempos atrás
dividia comigo a mesma ideologia hoje se comporta como inimiga. Ou sou eu o
inimigo? De qualquer maneira, num mundo que derrubava muros, de repente, um
muro foi erguido para me separar desses amigos. Tento explicar como vejo o
trabalho de Sergio Moro e nunca consigo terminar o raciocínio. No meio da
discussão, me emociono, fico com vontade de chorar e prefiro interromper o
pensamento. “Coxinha”, me xingam nas redes sociais. Bem, se o mundo está
obrigatoriamente dividido entre coxinhas e petralhas, não tenho como fugir: sou
coxinha!
Leio na internet que “coxinha” é uma
gíria paulista cujo significado se aproxima muito do ultrapassado “mauricinho”.
Mas, desde a reeleição de Dilma, esse conceito se ampliou. Serviu para definir
de forma pejorativa os eleitores de Aécio Neves. Seriam todos arrumadinhos,
malhadinhos, riquinhos e votavam em seu modelo. Isso não tem nada a ver comigo.
Mas, nesta briga de agora, estou do lado que é contra Lula, logo sou contra os
petralhas, logo sou coxinha.
Gostaria de falar em nome da
democracia. Mas não posso. A democracia agora é direito exclusivo dos meus
amigos que estão do outro lado do muro. Só eles podem falar em nome dela.
Então, como coxinha assumido, deixo uma pergunta. Vocês acharam muito normal o
ex-presidente Lula incentivar os sindicalistas para os quais discursou esta
semana a irem mostrar ao juiz Sergio Moro o mal que a Operação Lava-Jato faz à
economia brasileira? Vocês acreditam sinceramente nisso? O que a Operação
Lava-Jato faz? Caça corruptos pelo país. Não importa se são pobres ou ricos.
Não importa se são poderosos. Não era isso o que todos queríamos, quando
estávamos todos do mesmo lado, quando ainda não havia um muro nos separando, e
fomos às ruas pedir Diretas Já? Não era no que pensávamos quando voltamos às
ruas para gritar Fora Collor? E, principalmente, não era nisso que
acreditávamos quando votamos em Lula para presidente uma, duas, três, quatro,
cinco vezes!!! Não era o Lula quem ia acabar com a corrupção? Ele deixou essa
tarefa pro Sergio Moro porque quis.
Como, do lado de cá do muro, me
decepcionei com o ex-líder operário, o lado de lá deu pra dizer que sou de
direita. Se for verdade, está aí mais um motivo para eu estar com raiva de
Lula. Foi ele quem me levou pra direita. Confesso que tenho dificuldades de
discutir com qualquer petralha que não se irrita quando Lula diz se identificar
com quem faz compras na Rua 25 de Março. Vem cá, já faz tempo que os ternos de
Lula são feitos pelo estilista Ricardo Almeida. Será que Ricardo Almeida abriu
uma lojinha na rua de comércio popular de São Paulo? Por mim, Lula pode se
vestir com o estilista que quiser. Mas ele tem que admitir que o discurso da 25
de Março ficou fora do contexto. A gente não era contra discursos demagógicos?
O que mudou?
Meus amigos petralhas dizem que é
muito perigoso tornar Sergio Moro um herói. Que o Brasil não precisa de um
salvador da pátria. Mas, vem cá, não foi como salvador da pátria que Lula foi
convocado para voltar ao governo? Não é ele mesmo quem diz que é “a única
pessoa” que pode incendiar este país? Não é ele mesmo quem diz que é a “única
pessoa” que pode dar um jeito “nesses meninos” do Ministério Público? Será que
o verdadeiro perigo não está do outro lado do muro? Não é lá que estão forjando
um salvador da pátria?
Há muitas décadas ouço falar que as
empreiteiras brasileiras participam de corrupção. Nunca foi provado. Agora,
chegou um juiz do Paraná, que investigava as práticas de malfeito de um doleiro
local, e, no desenrolar das investigações, botou na cadeia alguns dos homens
mais poderosos do país. Enfim, apareceu alguém que levou a sério a tarefa de
desvendar a corrupção que há muitos governos atrapalha o desenvolvimento do
país. E, justo agora, quando a gente está chegando ao Brasil que sempre
desejamos, Lula e seus soldados querem limites para a investigação. Pensando
bem, rejeito a acusação de ser coxinha, rejeito ser enquadrado na direita,
rejeito o xingamento de antidemocrata, só porque apoio o juiz Sergio Moro e a
Operação Lava-Jato. Coxinha é o Lula que se veste com Ricardo Almeida e mantém
uma adega de razoáveis proporções no sítio de Atibaia. E, para encerrar, roubo
dos petralhas sua palavra de ordem: sinto muito, mas não vai ter golpe. Sergio
Moro vai ficar.
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