terça-feira, 28 de setembro de 2021

'Isso não é apoio': reação ao machismo na política é seletiva, diz Tabata

 

'Isso não é apoio': reação ao machismo na política é seletiva, diz Tabata

Imagem: Luis Macedo/Câmara dos Deputados


Júlia Flores
De Universa
23/09/2021 04h00

"O caminho mais fácil para o homem que se vê sem respostas diante de questionamentos contundentes é deslegitimar a mulher que os faz", tuitou a deputada federal Tabata Amaral (PSB) ontem em defesa da senadora Simone Tebet (MDB). Durante a CPI da Covid na terça-feira (21), Simone foi chamada pelo ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) Wagner Rosário de "descontrolada".


Para Tabata, Simone foi vítima de violência de gênero, um dos principais fatores que desmotivam as mulheres a entrar na política segundo ela. Ela mesma voltou a ser alvo de ameaças públicas na última semana quando o ator José de Abreu retuitou uma mensagem com uma ameaça contra ela.


Se o Zé de Abreu se sentiu à vontade para fazer aquele tuíte, é porque ele sabia que iam 'passar pano' para ele. Ele sabia que não perderia não perderia o apoio da esquerda, por exemplo.


Na opinião da deputada, os homens sofrem menos pressões dentro da política e são permitidos a "errar mais". Depois dos ataques, ela registrou um pedido de explicação contra o ator na Justiça, além de ter entrado com um pedido de inquérito policial contra os usuários que postaram as ameaças originalmente. A parlamentar, porém, só vê uma saída para o combate da violência de gênero na política — e não tem a ver com punições judiciais.


Venho de um lugar em que disputas ideológicas no Twitter fazem pouco sentido. Recebo muitas críticas por ter votado a favor da reforma da Previdência. Para mim, porém, esse foi um passo progressista. [...] Engraçado é perceber que outras sete pessoas do meu então partido votaram a favor da reforma, mas todas as críticas foram direcionadas a mim.


Esse machismo brasileiro, segundo Tabata, só vai ser combatido "quando a política e a Justiça deixarem de ser feitas apenas por homens". Universa conversou com a deputada a respeito. Confira:


UNIVERSA - A senhora se filiou esta semana a um novo partido, ao PSB (Partido Socialista Brasileiro). A mudança de legenda acarretará em mudanças ideológicas?

TABATA - A escolha de partido foi pautada pelas minhas bandeiras. Fui para um lugar em que eu acho que terei mais espaço para lutar pelos direitos das mulheres, pela pauta ambiental e por educação.


Podemos supor que no PSB teremos uma Tabata "mais feminista"?

A Tabata sempre foi feminista, né? Espero que no PSB eu tenha mais espaço, tanto em São Paulo, quanto nacionalmente, para avançar com as minhas pautas.


Faço essa pergunta porque a senhora costuma receber críticas ligadas ao fato de ter sido eleita sob a bandeira da mudança, e votado a favor de pautas governistas. Como a senhora avalia seu mandato até agora?

Venho de um lugar em que disputas ideológicas no Twitter fazem pouco sentido. Recebo muitas críticas por ter votado a favor da reforma da Previdência. Para mim, porém, esse foi um passo progressista. Sabia que, caso a reforma não fosse aprovada, os recursos para manter a Previdência tal estava iriam sair da Saúde e da Educação.


Engraçado é perceber que outras sete pessoas do meu então partido votaram a favor da reforma, mas todas as críticas foram direcionadas a mim.


A senhora acredita, então, que sofre mais críticas por ser mulher? Na última semana, inclusive, a senhora foi alvo de ataques com ameaças de violência física.

Quando uma mulher discorda, ela chama mais atenção. Eu incomodo muita gente quando trago pautas que estavam sendo ignoradas pelo campo progressista, quando digo que o caminho para termos uma escola de qualidade é o caminho da responsabilidade fiscal. O problema é que a reação é 100% machista.


O meu voto na reforma foi considerado 'uma desobediência de uma menina'; a intensidade das reações tem a ver com o fato de eu ser uma mulher jovem — e a forma também. Não foi a primeira e infelizmente não será a última vez que a minha integridade física foi ameaçada. Já fui ameaçada de morte, sou xingada todos os dias.


Uma coisa que precisa ser apontada é o fato de termos uma defesa feminista, antimachista, que ainda é muito seletiva. Parece que tudo bem você 'passar pano', ou não se manifestar quando você discorda do alvo ou gosta do agressor. Foi o que aconteceu no meu caso. 'Ah, discordo da Tabata, mas gosto do Zé de Abreu, então não vou falar nada'.


Como a senhora se sente com todos esses ataques?

Eu sinto medo, fico muito mal, mas eu tenho uma rede de apoio. A intenção dessas ameaças é me silenciar. Tento me lembrar a todo instante que, se estou incomodando, é porque meu trabalho está sendo feito de uma maneira importante. Além disso, faço terapia, cuido da minha saúde mental, conto com apoio de amigos e familiares.


Uma forma que eu encontrei de canalizar a mágoa é lutar para que tenhamos mais mulheres eleitas, para além de denunciar os casos.


A ameaça feita por uma celebridade reforça os altos índices de violência contra a mulher que enfrentamos no Brasil?

Se o Zé de Abreu se sentiu à vontade para fazer aquele tuite, é porque ele sabia que iam passar pano para ele. Ele sabia que não perderia o apoio da esquerda, por exemplo. Tenho muitas batalhas para enfrentar no Congresso, eu preciso ignorar um pouco desses ataques para poder trabalhar.


A ameaça vir de uma figura pública me lembrou que isso não deveria estar acontecendo. Claro que os ataques são, em parte, fruto do ambiente tóxico das redes sociais, mas também vêm da conivência de uma parte da esquerda com o ódio que é direcionado a mim. A gente entrou na Justiça cobrando uma satisfação, só que sendo bem sincera, já perdi a conta de quantas ações desse tipo já registrei; no meu caso, a maioria delas foi feita contra militantes de partidos da esquerda.


Se ele [Zé de Abreu] achasse que as lideranças de esquerda teriam um posicionamento contundente a respeito [da ameaça], ele não teria feito aquilo. Espero que a Justiça o lembre que você não pode ameaçar publicamente uma mulher só porque você discorda dela. Uma pessoa como essa deveria ter um papel numa novela? Eu acho que não.


A senadora Simone Tebet também sofreu ataques machistas na CPI da Covid esta semana. Mais um exemplo de que a violência de gênero na política é um problema que afeta mulheres de todos os partidos. Quais ações podem mudar esse cenário?

Muitas mulheres pensam duas, três vezes antes de atuar politicamente, de concorrer, de se posicionar. Os homens não, eles só falam. O jeito de combater isso é com ações efetivas. Recentemente a lei que tipifica a violência de gênero foi sancionada no Brasil.


Nós avançamos na legislação, mas também tem uma mudança cultural a ser feita — não sei como isso pode mudar com a política e a Justiça sendo feitas apenas por homens.


Se uma mulher tivesse feito o que o Zé de Abreu fez, ninguém aceitaria. Nós somos excluídas por muito menos. Não se perdoa nenhum tipo de erro da mulher. Dos homens se perdoam todos os tipos de crime.


Nesse contexto com Zé de Abreu, parte da esquerda a acusou de não se posicionar tão firmemente quando outra mulher é atacada, ou que usa a bandeira por conveniência. O que tem a dizer a respeito?

É mentira. Já me posicionei a favor de pessoas do PCdoB, do PT, do Novo, do PSL, a favor da senadora Simone Tebet, me posiciono sobre tudo o que acontece nCPI da Covid. A minha luta contra o machismo não é seletiva, inclusive já fui atacada por pessoas da esquerda quando defendi a Joyce Hasselman e mulheres do Novo. Já fui atacada nas redes sociais quando defendi a Dilma Rousseff, quando defendi a Marina Silva.


Você nunca vai ver um posicionamento meu dizendo 'discordo de fulana, mas apesar do posicionamento dela, quero prestar o meu apoio'. Isso não é apoio, eu não tenho medo de lutar contra o machismo, eu não tenho medo de me posicionar e de ser vista como aliada daquela pessoa. Me importo com o seu direito a ser respeitada.


Muitos atrelam a sua mudança de partido ao seu namorado. Inclusive, no campo de pesquisa no Google, um dos primeiros termos relacionados ao seu nome é o do seu namorado. Como você se sente quando tentam defini-la a tendo homens como referência?

No passado, eu me formei em Ciência Política e Astrofísica. Então eu competi por um bom tempo em Olimpíadas Científicas (muitas vezes a única mulher na equipe brasileira). Naquela época, eu era mais questionada do que meus colegas, mesmo sendo melhor do que muitos deles; não achava que era boa no que estava fazendo, achava que era sorte.


Hoje em dia, quando tentam justificar a minha atuação politica com base na minha aparência ou na trajetória de qualquer homem, eu só penso: 'Isso é machismo'. Talvez eu passe a vida inteira ouvindo que só estou ali por causa do meu rostinho, por causa de tal homem. Desde que eu saiba que isso não é verdade, a caminhada fica mais leve.


Tomo cuidado para que questões como 'deixa eu me provar um pouco mais, deixa eu ver como estava vestida' não subam à cabeça. Eu nunca vou ser o suficiente, sempre vou ser mais questionada, sempre vão tentar tirar meu mérito, dizer que eu não posso falar sobre algo.

 

A melhor resposta que eu posso dar é me cuidar, cuidar da minha saúde mental e lutar para que mais mulheres sejam eleitas.


Há um fenômeno que resume o que passa na cabeça de muitas mulheres em situações assim, a síndrome da impostora. A senhora enfrenta isso?

Com certeza. Como te disse, fui para cinco Olimpíadas de Ciência, fui medalhista em todas elas, cheguei a ser a primeira de todas as pessoas que competiam, e nunca me senti boa no que fazia. Sempre senti que era uma farsa. Sempre achava que eu tinha estudado menos, que eu merecia menos, que eu era menos inteligente. E não era verdade. Hoje luto para mudar esse pensamento, só que não estou 100% livre disso. Quantas vezes não fazem um comentário sobre a minha roupa, e então eu gosto menos da minha aparência? E passo a questionar a minha forma de me vestir?


Exigem de mim uma força e uma resiliência que não são exigidas dos homens; quantos homens na política brasileira não são responsáveis por mortes, por corrupção, e acordam e dormem todo dia tranquilamente? Quantos desses homens andam com escolta policial? Com medo? Quantos viram motivo de conversa nacional durante 24 horas?


Eu tendo um mandato sério e honesto, enfrento um inferno que as pessoas que fazem coisas erradas não enfrentam. Me pergunto: 'será que vou aguentar?' — e eu estou aguentando. Mas é importante ressaltar: as mulheres precisam ter muito mais coragem para entrar na política, porque não se pede o mesmo dos homens.


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https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/09/23/tabata-amaral-exigem-mais-resiliencia-e-forca-das-mulheres-na-politica.htm


sexta-feira, 24 de setembro de 2021

"Não há discordância que justifique a violência política contra as mulheres", por Tábata Amaral

 'Se encontro na rua, soco até ser preso', retuitou José de Abreu

Não há discordância que justifique a violência política contra as mulheres


24.set.2021 às 17h15

Quem você quer provocar com esse batom vermelho? Linda, não precisava nem abrir a boca. Mocinha, se inscreve no Big Brother, põe um silicone e tenta algo na TV ou na indústria pornô! Foi para Harvard, mas com certeza foi uma aluna medíocre lá. Adiantou pouco ter estudado em Harvard, informou-se até em astronomia, mas não se educou nem aprendeu a pensar. Você é muito burra, meu Deus, como pode. Meu anjo, cala a boca.

Pega o absorvente e manda para as tuas primas. Isso é carência. Anuncia filiação no mesmo partido do namorado. O amor é lindo e o prefeito fisga ela outra vez. Precisa de homem. Vai lavar a louça. Você é louca, filha?

Seu pai deve ter fugido ao ver a bosta de filha que se tornaria. Com uma filha desse tipo, entendo ele ter se matado. A pessoa sai do lixo, mas o lixo não sai dela. Volta pro esgoto!

Ninguém pode servir a dois senhores. Mocinha bancada por bilionários. Marionete de globalistas. Quem é o sugar daddy dela? Eu comia. Ela é a sugar girl daquele banqueiro lá. Ela gosta de ver outra coisa entrando. Puta, vadia, vagabunda, imbecil. Puta. Puta. Puta.

Depois desses votos contra o trabalhador essa puta ainda vem reclamar. Se eu encontro na rua, soco até ser preso. Se eu vejo essa mocreia na rua, não teria feminista para me segurar de quebrar a cara dela.

Daria uma surra nessa puta ordinária. Quando você vai sair na rua de novo? Horário lugar etc… queria fazer uma visita com meu canivete. Se eu encontro na rua eu dou dez facadas nessa cara de sonsa sua arrombada. Temos que dar a ela o tratamento de beleza mais efetivo do mundo, o taco de baseball na cara, tão eficiente que nem a mãe dela vai reconhecer depois!

Pois é, também não é fácil para mim ter que ouvir e ler tudo isso. E esses são apenas alguns exemplos, transcritos aqui sem modificações, das agressões que recebo diariamente. E não, esses ataques não vieram apenas de milicianos bolsonaristas. Vieram também de militantes de esquerda, filósofos, jornalistas, atores de novela, parlamentares e ministros.

Sei que essas ofensas e ameaças não estão restritas a mim. Todas as mulheres que ousaram se posicionar politicamente já sofreram alguma forma de violência política de gênero. Simone Tebet, Dilma Rousseff, Joice Hasselmann, Manuela D’Avilla, Marina Silva e Talíria Petrone. Marielle Franco.

Jamais seremos um país realmente democrático enquanto a política não for um espaço seguro, física e psicologicamente, para as mulheres. E isso só acontecerá quando tivermos tolerância zero com a intolerância, independentemente de quem seja o alvo ou o agressor. Porque respeito não é reverência, é regra mínima de convivência.

Tabata Amaral

Cientista política, astrofísica e deputada federal por São Paulo. Formada em Harvard, criou o Mapa Educação e é cofundadora do Movimento Acredito.


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https://www1.folha.uol.com.br/colunas/tabata-amaral/2021/09/se-encontro-na-rua-soco-ate-ser-preso-retuitou-jose-de-abreu.shtml

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

"O passado como polígrafo", por Pedro Bial


Grosseria é ousar impor condições como 'só faço ao vivo, não confio na edição'


Pedro Bial

Jornalista

Gentil, o editor da Folha me convida a escrever nesta página: “Acho que você está sendo vítima de uma campanha”. Faz sentido oferecer-me compensação, pois houve campanha, e foi desencadeada pelo UOL [portal que tem participação minoritária e indireta da Folha] a partir de colaboradores “cheerleaders” do Twitter, que cravaram o adjetivo “grosseiro” como início de seu título caça-clique. Mais honesto seria “jocoso” ou “irreverente”, mas talvez não fosse tão chamativo.

No início do programa “Manhattan Connection” de quarta-feira (14), Lucas Mendes perguntou-me sobre convidados que não vão ao programa, como ocorre quando ele convida Lula Bolsonaro. Na resposta, comentei das condições que, da prisão, Lula fixou ao manifestar seu desejo de participar de um “Conversa com Bial”. O ex-presidente disse que queria falar para mim, mas só se fosse ao vivo, pois não tinha confiança na minha edição. Conheço Lula há 40 anos, já o entrevistei algumas vezes, apenas uma ao vivo, quando fez suas primeiras declarações como presidente eleito, ao “Fantástico”, em 2002.

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