'Isso não é apoio': reação ao machismo na política é seletiva, diz Tabata
Imagem: Luis Macedo/Câmara dos Deputados |
"O
caminho mais fácil para o homem que se vê sem respostas diante de
questionamentos contundentes é deslegitimar a mulher que os faz", tuitou a
deputada federal Tabata Amaral (PSB) ontem em defesa da senadora Simone Tebet
(MDB). Durante
a CPI da Covid na terça-feira (21), Simone foi chamada pelo ministro da
Controladoria-Geral da União (CGU) Wagner Rosário de
"descontrolada".
Para Tabata, Simone foi vítima de violência de gênero, um dos principais fatores que desmotivam as mulheres a entrar na política segundo ela. Ela mesma voltou a ser alvo de ameaças públicas na última semana quando o ator José de Abreu retuitou uma mensagem com uma ameaça contra ela.
Se o Zé de Abreu se sentiu à vontade para fazer aquele tuíte, é porque ele sabia que iam 'passar pano' para ele. Ele sabia que não perderia não perderia o apoio da esquerda, por exemplo.
Na opinião
da deputada, os homens sofrem menos pressões dentro da política e são
permitidos a "errar mais". Depois dos ataques, ela registrou um
pedido de explicação contra o ator na Justiça, além de ter entrado com um
pedido de inquérito policial contra os usuários que postaram as ameaças
originalmente. A parlamentar, porém, só vê uma saída para o combate da
violência de gênero na política — e não tem a ver com punições judiciais.
Venho de um lugar em que disputas ideológicas no Twitter fazem pouco sentido. Recebo muitas críticas por ter votado a favor da reforma da Previdência. Para mim, porém, esse foi um passo progressista. [...] Engraçado é perceber que outras sete pessoas do meu então partido votaram a favor da reforma, mas todas as críticas foram direcionadas a mim.
Esse
machismo brasileiro, segundo Tabata, só vai ser combatido "quando a
política e a Justiça deixarem de ser feitas apenas por homens". Universa conversou
com a deputada a respeito. Confira:
UNIVERSA -
A senhora se filiou esta semana a um novo partido, ao PSB (Partido Socialista
Brasileiro). A mudança de legenda acarretará em mudanças ideológicas?
TABATA - A
escolha de partido foi pautada pelas minhas bandeiras. Fui para um lugar em que
eu acho que terei mais espaço para lutar pelos direitos das mulheres, pela
pauta ambiental e por educação.
Podemos
supor que no PSB teremos uma Tabata "mais feminista"?
A Tabata
sempre foi feminista, né? Espero que no PSB eu tenha mais espaço, tanto em São
Paulo, quanto nacionalmente, para avançar com as minhas pautas.
Faço essa
pergunta porque a senhora costuma receber críticas ligadas ao fato de ter sido
eleita sob a bandeira da mudança, e votado a favor de pautas governistas. Como
a senhora avalia seu mandato até agora?
Venho de um
lugar em que disputas ideológicas no Twitter fazem pouco sentido. Recebo muitas
críticas por ter votado a favor da reforma
da Previdência. Para mim,
porém, esse foi um passo progressista. Sabia que, caso a reforma não fosse
aprovada, os recursos para manter a Previdência tal estava iriam sair da Saúde
e da Educação.
Engraçado é perceber que outras sete pessoas do meu então partido votaram
a favor da reforma, mas todas as críticas foram direcionadas a mim.
A senhora
acredita, então, que sofre mais críticas por ser mulher? Na última semana,
inclusive, a senhora foi alvo de ataques com ameaças de violência física.
Quando uma
mulher discorda, ela chama mais atenção. Eu incomodo muita gente quando trago
pautas que estavam sendo ignoradas pelo campo progressista, quando digo que o
caminho para termos uma escola de qualidade é o caminho da responsabilidade
fiscal. O problema é que a reação é 100% machista.
O meu voto
na reforma foi considerado 'uma desobediência de uma menina'; a intensidade das
reações tem a ver com o fato de eu ser uma mulher jovem — e a forma também. Não
foi a primeira e infelizmente não será a última vez que a minha integridade
física foi ameaçada. Já fui ameaçada de morte, sou xingada todos os dias.
Uma coisa que precisa ser apontada é o fato de
termos uma defesa feminista, antimachista, que ainda é muito seletiva. Parece
que tudo bem você 'passar pano', ou não se manifestar quando você discorda do
alvo ou gosta do agressor. Foi o que aconteceu no meu caso. 'Ah, discordo da
Tabata, mas gosto do Zé de Abreu, então não vou falar nada'.
Como a
senhora se sente com todos esses ataques?
Eu sinto
medo, fico muito mal, mas eu tenho uma rede de apoio. A intenção dessas ameaças
é me silenciar. Tento me lembrar a todo instante que, se estou incomodando, é
porque meu trabalho está sendo feito de uma maneira importante. Além disso,
faço terapia, cuido da minha saúde mental, conto com apoio de amigos e
familiares.
Uma forma
que eu encontrei de canalizar a mágoa é lutar para que tenhamos mais mulheres
eleitas, para além de denunciar os casos.
A ameaça
feita por uma celebridade reforça os altos índices de violência contra a mulher
que enfrentamos no Brasil?
Se o Zé de
Abreu se sentiu à vontade para fazer aquele tuite, é porque ele sabia que iam
passar pano para ele. Ele sabia que não perderia o apoio da esquerda, por
exemplo. Tenho muitas batalhas para enfrentar no Congresso, eu preciso ignorar
um pouco desses ataques para poder trabalhar.
A ameaça
vir de uma figura pública me lembrou que isso não deveria estar acontecendo.
Claro que os ataques são, em parte, fruto do ambiente tóxico das redes sociais,
mas também vêm da conivência de uma parte da esquerda com o ódio que é
direcionado a mim. A gente entrou na Justiça cobrando uma satisfação, só que
sendo bem sincera, já perdi a conta de quantas ações desse tipo já registrei;
no meu caso, a maioria delas foi feita contra militantes de partidos da
esquerda.
Se ele [Zé de Abreu] achasse que as lideranças
de esquerda teriam um posicionamento contundente a respeito [da ameaça], ele
não teria feito aquilo. Espero que a Justiça o lembre que você não pode ameaçar
publicamente uma mulher só porque você discorda dela. Uma pessoa como essa
deveria ter um papel numa novela? Eu acho que não.
A senadora
Simone Tebet também sofreu ataques machistas na CPI da Covid esta semana. Mais
um exemplo de que a violência de gênero na política é um problema que afeta
mulheres de todos os partidos. Quais ações podem mudar esse cenário?
Muitas
mulheres pensam duas, três vezes antes de atuar politicamente, de concorrer, de
se posicionar. Os homens não, eles só falam. O jeito de combater isso é com
ações efetivas. Recentemente a lei que tipifica a violência de gênero foi
sancionada no Brasil.
Nós avançamos na legislação, mas também tem uma
mudança cultural a ser feita — não sei como isso pode mudar com a política e a
Justiça sendo feitas apenas por homens.
Se uma
mulher tivesse feito o que o Zé de Abreu fez, ninguém aceitaria. Nós somos
excluídas por muito menos. Não se perdoa nenhum tipo de erro da mulher. Dos
homens se perdoam todos os tipos de crime.
Nesse
contexto com Zé de Abreu, parte da esquerda a acusou de não se posicionar tão
firmemente quando outra mulher é atacada, ou que usa a bandeira por
conveniência. O que tem a dizer a respeito?
É mentira.
Já me posicionei a favor de pessoas do PCdoB, do PT, do Novo, do PSL, a favor
da senadora Simone Tebet, me posiciono sobre tudo o que acontece na CPI
da Covid. A minha luta contra o machismo não é seletiva,
inclusive já fui atacada por pessoas da esquerda quando defendi a Joyce
Hasselman e mulheres do Novo. Já fui atacada nas redes sociais quando defendi a
Dilma Rousseff, quando defendi a Marina Silva.
Você nunca vai ver um posicionamento meu dizendo
'discordo de fulana, mas apesar do posicionamento dela, quero prestar o meu
apoio'. Isso não é apoio, eu não tenho medo de lutar contra o machismo, eu não
tenho medo de me posicionar e de ser vista como aliada daquela pessoa. Me
importo com o seu direito a ser respeitada.
Muitos
atrelam a sua mudança de partido ao seu namorado. Inclusive, no campo de
pesquisa no Google, um dos primeiros termos relacionados ao seu nome é o do seu
namorado. Como você se sente quando tentam defini-la a tendo homens como
referência?
No passado,
eu me formei em Ciência Política e Astrofísica. Então eu competi por um bom
tempo em Olimpíadas Científicas (muitas vezes a única mulher na equipe
brasileira). Naquela época, eu era mais questionada do que meus colegas, mesmo
sendo melhor do que muitos deles; não achava que era boa no que estava fazendo,
achava que era sorte.
Hoje em dia, quando tentam justificar a minha
atuação politica com base na minha aparência ou na trajetória de qualquer
homem, eu só penso: 'Isso é machismo'. Talvez eu passe a vida inteira ouvindo
que só estou ali por causa do meu rostinho, por causa de tal homem. Desde que
eu saiba que isso não é verdade, a caminhada fica mais leve.
Tomo
cuidado para que questões como 'deixa eu me provar um pouco mais, deixa eu ver
como estava vestida' não subam à cabeça. Eu nunca vou ser o suficiente, sempre
vou ser mais questionada, sempre vão tentar tirar meu mérito, dizer que eu não
posso falar sobre algo.
A melhor
resposta que eu posso dar é me cuidar, cuidar da minha saúde mental e lutar
para que mais mulheres sejam eleitas.
Há um
fenômeno que resume o que passa na cabeça de muitas mulheres em situações
assim, a síndrome da impostora. A senhora enfrenta isso?
Com
certeza. Como te disse, fui para cinco Olimpíadas de Ciência, fui medalhista em
todas elas, cheguei a ser a primeira de todas as pessoas que competiam, e nunca
me senti boa no que fazia. Sempre senti que era uma farsa. Sempre achava que eu
tinha estudado menos, que eu merecia menos, que eu era menos inteligente. E não
era verdade. Hoje luto para mudar esse pensamento, só que não estou 100% livre
disso. Quantas vezes não fazem um comentário sobre a minha roupa, e então eu
gosto menos da minha aparência? E passo a questionar a minha forma de me
vestir?
Exigem de mim uma força e uma resiliência que
não são exigidas dos homens; quantos homens na política brasileira não são
responsáveis por mortes, por corrupção, e acordam e dormem todo dia
tranquilamente? Quantos desses homens andam com escolta policial? Com medo?
Quantos viram motivo de conversa nacional durante 24 horas?
Eu tendo um
mandato sério e honesto, enfrento um inferno que as pessoas que fazem coisas
erradas não enfrentam. Me pergunto: 'será que vou aguentar?' — e eu estou
aguentando. Mas é importante ressaltar: as mulheres precisam ter muito mais
coragem para entrar na política, porque não se pede o mesmo dos homens.
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