A decisão do juiz que
mandou soltar Lula não tem lógica jurídica – só eleitoral
Por Helio Gurovitz
09/07/2018
Hélio Gurovitz |
Quando três
parlamentares petistas entraram com o pedido para tirar da cadeia o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última sexta-feira, 32 minutos
depois do início do plantão do juiz Rogério Favreto no Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (TRF-4), o Brasil já estava fora da Copa do Mundo. A
batalha de decisões de ontem despertou mais emoções que uma partida da seleção.
Favreto foi
filiado ao PT entre 1991 e 2010, indicado desembargador no TRF-4 pela
ex-presidente Dilma Rousseff em 2011 – sem jamais ter sido juiz, entrou como
representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) numa vaga preenchida pela
regra do quinto constitucional – e único dos 14 juízes da corte a votar por
abrir processo disciplinar contra Sérgio Moro em 2016, em virtude da divulgação
de conversas entre Lula e Dilma.
Emitiu ontem
três decisões mandando libertar Lula, a primeira (de 13 páginas) menos de 38
horas depois do pedido dos petistas Wadih Damous, Paulo Teixeira e Paulo
Pimenta. A segunda, depois que Moro, citado por Favreto, solicitou à Polícia
Federal (PF) que aguardasse uma decisão do relator do processo, o desembargador
João Pedro Gebran Neto. A terceira, depois de contestado por Gebran, dando à PF
uma hora para soltar Lula. Só sossegou no início da noite, quando o presidente
do TRF-4 retirou o processo do plantão e mandou devolvê-lo a Gebran.
O argumento que
Favreto usou para mandar soltar Lula é tão-somente ridículo. Basicamente, disse
que Lula, como pré-candidato à Presidência pelo PT, tem direito a estar livre
para fazer campanha. Isso mesmo. “Esse direito a pré-candidato à Presidência
implica necessariamente na (sic) liberdade de
ir e vir pelo Brasil ou onde a democracia reivindicar”, escreveu. Pouco
importa, para Favreto, que a Lei da Ficha Limpa proíba explicitamente a
candidatura de condenados em segunda instância.
Pela lógica de
Favreto, quem cumpre pena por condenação criminal e recorre de decisão da
segunda instância tem agora uma estrategia infalível para sair da cadeia. Basta
candidatar-se a algum cargo e argumentar que a democracia “reivindica” sua
presença pelo Brasil todo. Precisa, portanto, ser solto. Deu pra entender?
Até o final de
junho, de acordo com um levantamento do jornal O Estado de S.
Paulo, Lula havia
entrado com nada menos que 78 recursos no processo em que foi condenado como
proprietário oculto do apartamento no Guarujá, reformado segundo suas
especificações pela empreiteira OAS. Perdeu todos aqueles que foram julgados:
na vara de Moro, no TRF-4, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo
Tribunal Federal (STF). Não existe, portanto, discussão jurídica alguma sobre a
condenação de Lula nem sobre sua prisão.
O que existe –
e isso fica claríssimo pela própria argumentação usada na decisão de Favreto –
é uma campanha política. A esta altura, o PT tem perfeita noção de que a lei
impedirá a candidatura Lula. Mas precisa dela viva se quiser ter alguma chance
de retomar o poder. As pesquisas que incluem o nome de Lula o põem na frente
dos demais candidatos. Qualquer indicado por ele – como o ex-governador baiano
Jaques Wagner ou o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad – seria competitivo.
A demora em
tomar uma decisão por outra candidatura faz sentido para sustentar a narrativa
de que Lula é uma vítima de uma conspiração entre Justiça, Ministério Público,
polícia, imprensa, bancos, empresários e de tudo aquilo que se possa abrigar
sob o termo genérico “elites” – e não um criminoso comum que se aproveitou do
cargo de presidente em benefício próprio, recebendo benesses pagas com o
dinheiro desviado da Petrobras por diretores indicados com sua bênção.
Mas o preço da
demora petista em definir uma candidatura alternativa tem sido o crescimento de
candidatos de outros partidos, em especial o ex-governador cearense Ciro Gomes.
O pior cenário para o PT será entrar de coadjuvante no barco de Ciro quando a
campanha já estiver avançada. Implicará uma perda de poder substancial para um
partido que detém um nome de apelo popular como Lula.
É isso o que
explica o futebol jurídico de ontem. A partir de hoje, petistas poderão dizer
que a PF descumpriu a ordem de um desembargador e manter viva sua fantasia de
que Lula é vítima da tal conspiração. O objetivo deles será transformar a
campanha não num debate produtivo sobre o Brasil – mas numa discussão jurídica
irrelevante sobre a prisão de Lula e seu direito a ser candidato. Enquanto for
possível manter a ilusão, acreditam poder conter o crescimento de Ciro e outros
adversários.
Para manter o nome de Lula na pauta, vale tudo: chuva de habeas corpus no Supremo (até que caiam com um ministro "simpático" ou sejam julgados na Segunda Turma), recursos de toda sorte ao STJ, argumentos em profusão contra Moro e os demais juízes que condenaram Lula, campanha da militância e de intelectuais engajados em livros, filmes e nas páginas da imprensa – e até aproveitar as poucas horas em que um juiz simpático ao PT está de plantão no TRF-4, malandragem equivalente a tentar pôr a bola com a mão pra dentro da rede, na esperança de que nenhum juiz de vídeo vá prestar atenção. Vai que cola.
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https://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/post/2018/07/09/a-malandragem-ridicula-de-favreto.ghtml