Lulistas e bolsonaristas falam de duas imagens
falsas. Mídia não pode ser ao mesmo tempo elitista e comunista
Vamos
falar francamente: eleger Fernando Haddad é absolver Lula e condenar a
Lava-Jato; eleger Bolsonaro é absolver o capitão da direita radical e populista
e condenar a tolerância política e moral.
Um
candidato é a soma do que fala, do que falou e de seu comportamento pessoal e
político. Mas é também a imagem que os seguidores fazem de seu líder.
No caso do
PT, claro, o líder é Lula, e não Haddad. Sua vitória seria a revanche não
apenas contra os promotores e juízes da Lava-Jato, mas contra uma operação
legal e institucional que flagrou o maior escândalo corporativo do mundo. Não é
exagero. Não se encontra por aí um modelo de corrupção tão organizado,
envolvendo praticamente todos os órgãos do governo.
Com
Haddad/Lula eleito, tudo isso seria um não acontecimento ou, como dizem, uma
invenção das elites reunidas no Judiciário, na mídia, nas empresas e nos bancos
— tudo para massacrar os pobres.
No caso de
Bolsonaro, sua vitória, como dizem o candidato e seus seguidores, seria o
triunfo sobre os canalhas, que é como se referem aos adversários. E sobre uma
grande conspiração.
Bolsonaro
e seus seguidores veem em toda parte uma armação de comunistas, ateus, infiéis,
amigos dos bandidos e corrompidos moralmente, todos contra o homem comum.
Desconfiam da urna eletrônica, das pesquisas eleitorais, da mídia. Gostam das
Forças Armadas e das polícias, mas desconfiam da Polícia Federal se esta não
demonstrar que o atentado contra Bolsonaro também foi parte de uma grande
conspiração.
Não é por
acaso que os dois extremos — lulistas e bolsonaristas — têm um mesmo alvo. Para
os petistas, a mídia é golpista e dominada pelas elites reacionárias. Para os
bolsonaristas, é dominada por uma esquerda imoral.
É claro
que não podem estar falando da mesma coisa. Estão falando da imagem que cada
lado tem da imprensa, formando-se duas imagens necessariamente falsas. A mesma
mídia não pode ser ao mesmo tempo elitista e comunista.
Vai daí
que a opinião dos outros não tem a menor importância para esses dois extremos.
Muito menos a prática democrática da controvérsia e da diversidade.
A esta
altura, perguntarão os leitores: mas os eleitores de Bolsonaro e Lula/Haddad
são todos assim?
Há muitos
que são. Sim, há extremistas e intolerantes entre nós. Mas isso não explica
tudo.
No lado do
PT, muitos eleitores votam pela lembrança de bons anos do governo Lula. De
fato, emprego, salários e crédito cresceram de modo expressivo. Não foi uma
obra do lulismo, mas uma combinação clássica de estabilidade econômica
(neoliberal!) e uma onda externa favorável. Todos os países emergentes se deram
bem — e até melhor que o Brasil. Nenhum emergente, por exemplo, passou pela
dura recessão gestada aqui pelos governos Lula e Dilma. O lulismo, ao final,
entregou desemprego.
Nesse
aspecto, o impeachment de Dilma foi até uma sorte. Livrou Lula do peso do
governo, permitiu que sua intensa propaganda passasse para a oposição e
convencesse muita gente de que foi tudo culpa dos golpistas. Mentir foi a
tática. Como essa agora de dizer que a ONU considerou legítima a candidatura de
Lula, quando há apenas um parecer dado por dois membros (alinhados à esquerda)
de um comitê acessório formado por não diplomatas.
Mais uma
vez, o lulismo contou com a incompetência e as hesitações do centro político e
liberal.
No lado de
Bolsonaro, muitos eleitores simplesmente estão fartos do governo, do excesso de
impostos e da falta de serviços públicos, dos políticos corruptos eternamente
no poder e, sim, da imposição do chamado politicamente correto. Reparem: muitos
eleitores dessa direita são liberais no sentido de achar que cada um se
comporta como quer. Mas não apreciam quando a agenda progressista é imposta por
meio de leis e obrigações.
Também
aqui, o centro liberal — nos costumes e na política — não soube contar e
colocar sua história.
E assim
chegamos a uma eleição em que uma agenda é tirar Lula da cadeia e anular a
Lava-Jato. A outra é prender Lula e todos os demais canalhas.
https://oglobo.globo.com/opiniao/um-voto-impossivel-23104963